terça-feira, 16 de março de 2010

O Império de Narciso


O Império de Narciso



Que belo! Hum, que lindo! Ainda não tenho desta cor! É novo? Não conheço! Tenho que ter, é irresistível! Está será a minha próxima aquisição! Estou totalmente seduzido, pela elegância e praticidade! É muito belo, combina comigo!
Estas expressões revelam a máxima narcísica , é o eco da nossa alma à busca pela beleza refletida nos objetos, pela satisfação dos nossos próprios desejos, ou seja, pela felicidade em possuir os objetos que me fazem belo. Nesta perspectiva, a coletividade é negada, não abrigando o sentido público, apenas o valor do mundo privado é realçado. A ética social passa a ser o desejo particular do indivíduo. Essa supremacia insana e escravizante do eu sobre o coletivo, faz dos grupos, e da cidade o lugar do EU-zumbi aterrorizado e solitário.
Temos deixado de viver um tempo humanizado e relacional, do EU-TU , para vivermos a negação do homo ludens e do Homo prosaicus , estamos no centro dos ponteiros do relógio, gastando nosso tempo entre a conquista de nossos desejos, que se configuram em adquirir coisas, em mandar e ter os desejos rapidamente satisfeitos. Num movimento de retro-alimentação do nosso narcisismo..
Estamos reféns da imagem narcisica de nós mesmos, imagem que só é refletida quando revestida das marcas, estilos, brilhos, lugares, plástica, palavras e sons reconhecidos pelo capital.
A prisão na imagem superficial nega o reflexo do profundo, fragmentando a nossa anima e nos roborizando a caminhar em circuitos de shoppings centers. Quem ainda se importa com o verdadeiro sentido da vida? Trabalhamos para proporcionar o melhor aos nossos filhos, mas não podemos dedicar-lhes tempo, pois “tempo é dinheiro”. Trabalhamos para ter uma casa confortável, mas não temos tempo para “curtir” a parrafernalha eletrônica que possuímos. Declararmos aos amigos atenção, mas não podemos dar mas do que freqüentar o seus casamento (evento), não há tempo para sentarmos juntos, jogar conversa fora, de rirmos á toa, ouvirmos o som do triangulo e comermos “chegadinhas”. Anunciamos em estatísticas uma velhice com maior qualidade de vida, no entanto acumulamos dívidas de tempo com nossa mente e com nosso corpo, sem agendarmos um médico, uma terapia, uma caminhada, observarmos o pôr-do-sol, comermos de forma saudável, enfim adoecemos ao invés de envelhecermos.
Estamos seduzidos pela fabulosa invenção do fast-food e pelas fórmulas milagrosas da fonte da juventude. Deste modo, deixamos de cuidar de do SER no presente e passamos a pagar pela renovação celular, pelos cremes, pelas injeções de botox, pela cosmética lifting. Dessa forma cuidamos somente da cápsula que nos reveste, não do sistema integrado e complexo do nosso ser.
Quanto de nós aguarda a aposentadoria para usufruir finalmente do tempo para viver as coisas boas da vida, tempo para faz o que não dava tempo. Usufruiremos do tempo ou de um plano de saúde? Plano este cheio de asterísticos e cláusulas. Impregnados de vontade própria e individualismos nos sentenciamos de tal modo que nos programamos através do espelho, como se ele contivesse a porção mais preciosa do homem, vivemos como belos narcisos. Morrendo a beira de uma imagem supervicial.
A imagem escravizada, busca expanção, ela precisa se expandir e o mundo mecânico e produtor investe num arsenal de objetos que satisfaçaam as vontades e prazeres infinitos. Infinitos porque são vazios de sentido. Exigindo cada vez mais que o homem tenha coisas, objetos para casa, objetos para o carro e assim segue numa interminável lista de “necessidades’ compráveis com a mais valia, ganhada nas horas gastas no trabalho.
O espelho nos domina e divide o relógio em dois hemisférios: Tempo para ganhar o dinheiro e tempo para gastá-lo, restando o nada para sentir a vida.
A opressão do espelho nos afasta do essencial, ou seja, do TU. Sem pessoas, também não somos pessoas. Esgotamos-nos correndo a procura de propósitos, mas a impiedosa maldição não nos conduz ao outro, ou seja, a nós mesmos.
Perdido de nós mesmos, dentro da imagem desejada de ser refletida, vai atribuindo aos outros a responsabilidade de cuidar dos nossos filhos, de cuidar da nossa pele, de conversar conosco e seguimos cegamente sem nos sentirmos, sem ver ou ouvir os outros, sem cuidar e preservar o ambiente que nos cerca.
A recusa ao espelho é dolorosamente negar a imagem até então construída, é quebrar a maldição Narcisista, e caminhar na real busca do que é essencial, que só ocorrerá como o retorno ao sagrado e ao humano, com a ousadia de viver a dor e a delicia de se reconstruir.
Assim edificaremos um novo rumo, através do nosso envolvimento na vida, nos engajaremos em nossos sonhos, enxergaremos as paisagens ao nosso redor, sentiremos indignação pelo outro e celebraremos as nossas conquistas. O nosso trabalho passa a ser um projeto de vida, cuidaremos de nós, enxergaremos nossas rugas e a reconheceremos como viva vivida, abriremos mão do instantâneo e “gastaremos” nosso tempo mastigando, andando, conversando, escrevendo, lendo, convivendo e interagindo com o TU.
O que estamos esperando? O que nos falta? È bem verdade que a falsa sensação de conforto dada pela as coisas prontas e instantâneas, bem como o prazer do poder de comandar, nos ingressa no império de Narciso, do qual já estamos acomodados. Apesar de fugas, a sensação de comodidade é real e abandona-la vai momentaneamente nos enfraquecer. Porém é inadiável negar o espelho para recomeçar é encarar o vazio assustador da nossa alma e iniciar a seu preenchimento vital.
Como tratar essa vital ressignificação? Como editar nossa comunicação como à vida? Comecemos pelo simples, do sentar e alimentar-se em família, como faziam nossos ancestrais. Se começarmos a amor apaixonadamente e começarmos a assumirmos os riscos teremos a herança dos casais talvez seja começar viver em relação como a alma das pessoas que encontraremos a libertação.
Não há facilidade nessa revolução, há sim movimento, música, garra, dor, e sentimento verdadeiro. Ingressar na vida é sentir que o fogo arde e que o ombro do homem é também acolhimento, assim o tempo será ressignificado, dando ao passado o valor da memória capturado em nossos álbuns, o valor de nossa história ilustrada com tantas gentes, bem como dando ao futuro o magnífico vazio criativo da nossa existência.
Viver o presente é apoderar-se de nós mesmo, é sentir o pulsar do peito esquerdo, é respirar sem que seja necessário comando externo: respire Fundo; é comer alimentos saboreando-os, sem estar abecedado por dietas; é amar simplesmente sem competir com a estética das modelos, ler ao invés de possuir livros para enfeitar as estantes, é especialmente aceitar que não somos Deus e que você quando brincamos de ser, somos sempre anjos de braços quebrados. Ainda é possível, sorrir como graça ao invés de representar, entrar em contato como a dor inevitável ao invés de se dopar com medicamentos, sentar com as crianças no chão e brincar ao invés da impecável organização e design dos espaços.
Enfim viver é ter as horas a sua frente e vivê-las, saboreá-las na forma que ela se apresenta, seja minúscula ou grandiosa, seja um estado de êxtase ou de dor, a “forma” é o tempo da vida, assim vamos sentir o trabalho, sentir o lazer, sentir o sofrer, sentir o falar, sentir o ouvir, sentir o obedecer, sentir o comandar. Seremos “ético e inteiro”. É na atitude singular de abraçar a forma do tempo, de olharmos a ampulheta da nossa vida, a contemplarmos os grãos d’alma que caem temporalmente, que seremos libertados e conquistaremos o poder de sentir a vida correr em nossas veias. A creditem que “Narciso acha feio o que não é espelho” e que “a força da grana que ergue e destrói coisas belas” formam a nossa privação da existência.

3 comentários:

  1. Querida amiga.

    Um novo espaço para muitas idéias.
    E eu só posso agradecer a vida
    poder colher destas palavras
    e aprender a ser melhor.

    Que teu coração seja sempre casa de alegria.

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  2. Essa coisa da divisão da vida pelo relógio é muito real. O pior é que se luta pra arrecadar bens e tudo, mas não se pode usufrui-los por estar trabalhando para pagá-los. O status existe, mas e o resto? Parece que a ordem é esquecer que existe algum resto...

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  3. Não uso relógio, ordem não precisa ser engessada, vamos buscas as coisas simples, essas que estão esquecidas pela maioria e que nos trazem bens mais valiosos que os conquistados com o trabalho R$ real.
    bjs linda!

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