segunda-feira, 22 de agosto de 2011

FILME ALEXANDRIA


Que tal, preparar uma bacia de pipoca, aconchegar-se num sofá ou na cama e deliciar-se com o filme ALEXANDRIA.


“Se toda estrela cadente cai pra fazer sentido
E todo mito quer ter carne aqui.
A ciência não se ensina.
A ciência insemina, a ciência em si.”
Arnaldo Antunes e Gilberto Gil



A linguagem cinematográfica tem a capacidade de projetar e antecipar dramas, ficções e revoluções, de debater temas banais e polêmicos e de revisitar o passado. Aqui convidamos o leitor a envolver-se num roteiro que data do ano de 391 d.C., início do cristianismo na história do ocidente.

A temática do filme Alexandria remonta os discursos e a cultura do início da idade média, conduzindo-nos a construção imagética do espaço e do tempo histórico e nos remetendo ao passado como se este fosse passível de ser revivido. O filme trata das concepções relacionadas ao o conhecimento, ao papel da mulher, as experiências com a matemática, com a filosofia, com a astrologia e com as relações de poder, bem como apresenta o processo do trabalho científico, testemunhando o movimento que abriga a pesquisa, a dúvida, a frustração, as descobertas na busca de respostas para a sua pergunta.

Dessa forma, enxergamos a história se colorindo em nossa retina. Os cenários do filme são elaborados a cada diálogo, imagens que até então só existiam na iconografia dos livros de história e na elaboração imagética de nossas leituras passam a ser quase reais. O decorrer da narrativa nos encanta e impacta ao mesmo tempo, bem como nos compromete a refletir sobre a herança cultural e ideológica e sobre as conseqüências destas na nossa sociedade.

O filme aborda o valor da ciência por duas características: a primeira é ser fonte de inquietação intelectual e a segunda é ter o poder de revolucionar as verdades e as crenças de uma época. Nessa perspectiva o filme tece seu roteiro através dos conflitos de poder, dos debates filosóficos e da narrativa religiosa retratando a história da filósofa Hypatia.

Dessa forma, atravessamos a fronteira do tempo e ancorado na contemporaneidade ainda percebemos a intolerância, o preconceito entre gênero, a propagação das verdades absolutas e a alienação. Na área da educação as rupturas e reflexões representam o caminho para superação desta limitação do pensamento linear e fechado. Reconhecemos portanto, a relevância do avanço do ensino memorístico e livresco para o ensino reflexivo e participativo; vale, portanto salientar a importante instrumentalização do aluno para pensar criticamente sobre as ciências, sobre as perguntas cotidianas e sobre os processos históricos.

Talvez esteja aí a resposta para a crise na educação, trata-se de uma crise de paradigma, em que a humanidade se deparou com a crise das verdades, que tiveram em toda história da humanidade sempre um caráter metafísico. O que fazer diante desse sentimento de fragilidade da condição humana? (PEREIRA & ARAUJO, 2009, p. 61)

Um processo de educação renovada anuncia que as verdades não são imutáveis e fechadas, elas podem estão em constante reelaboração, são por vezes incompletas e não falhas. Assim a apropriada revolução implica em efetivar a busca continua de caminhos dessa forma é preciso formar um aluno consciente, o foco deste artigo é iniciar o debate sobre o ensino a partir do aporte teórico da pedagogia histórico - critica.

A tendência da pedagogia critico social de conteúdos propõe uma síntese superadora das pedagogia tradicional e renovada, valorizando a ação pedagógica enquanto inserida na prática social concreta. Entende a escola como mediação entre o individual e o social, exercendo aí a articulação entre a transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte de um aluno concreto (inserido num contexto de relações sociais); dessa articulação resulta o saber criticamente re-elaborado. (LIBANEO, 2002, p. 21)

O roteiro do filme é povoado de imagens que nos remetem a temas polêmicos e contemporâneos, todavia o nosso interesse localiza-se principalmente em refletir sobre as concepções de ensino, sobre os textos presentes na sala de aula, sobre como são tratados os conteúdos tna sal de aula, se há espaço nas aulas para a perspectiva critica e reflexiva.

Embora se aceite que os conteúdos são realidades exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e não simplesmente reinventados, eles não são fechados e refretários às realidades sociais. Não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de forma indissociável, à sua significação humana e social. (LIBANÊO, 2000, p. 30)

A educação com bases cartesianas denota um ensino acrítico, às voltas com a uma imagem linear, obedecendo a ideia mecânica do pensamento, com suas verdades fragmentadas, sem tratar com a devida atenção as rupturas, os conflitos e os processos de superação que o pensamento atravessa no campo das concepções. Dessa forma, a tendência tradicionalista do ensino tem permanecido viva entre professores e alunos; tendo como conseqüência direta um ensino ahistórico e acritico.

Assim, essas concepções aparecem associadas entre si, como expressão de uma imagem global ingênua da ciência que se foi decantando, passando a ser socialmente aceite. De fato, essa imagem típica da ciência parece ter sido assumida por autores do campo da educação, que criticam como características da ciência aquilo que são apenas visões deformadas da mesma. (CACHAPUZ, 2009, p 134)

Por tanto, escolhemos dialogar sobre o ensino através da Pedagogia histórica-crítica (doravante PHC), fomentando a reflexão sobre a importância do papel do professor, sobre o significado de um ensino crítico e com sobre a função social da educação. Bem como desmistificar as imagens distoricidas sobre o mundo do conhecimento, tais como: o da ciência relacionada aos gênios, aos laboratórios mágicos e luminosos, aos cientistas “imaculados”, a idéia de inteligência ligada a postura de anti-social, cremos que na medida que nos afastarmos de preconceitos tendenciosos e dos interesses de grupos sociais dominantes, nos aproximaremos do ensino transformador.

As grandes transformações são morfogêneses, criadoras de formas novas que podem constituir verdadeiras metamorfoses. De qualquer maneira, não há evolução que não seja desorganizadora/reorganizadora em seu processo de transformação ou de metamorfose. (MORIN, 2002 , p.82)


Tecemos a reflexão introdutória do artigo defendendo o ensino na perspectiva PHC, e pretendemos apresentar um debate sobre a trama de ideias apresentadas no filme Alexandria, objetivando debater uma educação capaz de formar um cidadão atuante que se posiciona criticamente diante dos temas sócio-científicos.

Uma sugestão de leitura: SAINT-EXUPÈRY

Esta obra de Saint-Exupéry, “Terra dos Homens”, é um romance em grande medida autobiográfico, sobre as aventuras que o autor vive após tornar-se piloto viajando para inúmeros lugares, entre eles, para o continente africano, Argentina, etc.
Expressa claramente o conhecimento que resultou de sua vivência logo na sua introdução: “Mais coisas sobre nós mesmos nos ensina a terra que todos os livros. Porque nos oferece resistência. Ao se medir com um obstáculo o homem aprende a se conhecer; para superá-lo, entretanto, ele precisa de ferramenta. Uma plaina, uma charrua. O camponês, em sua labuta, vai arrancando lentamente alguns segredos à natureza; e a verdade que ele obtém é universal”.

O autor

Nascido em 29 de junho de 1900 em Lyon, França, Antoine Marie Roger de Saint-Exupéry estudou no colégio jesuíta de Notre-Dame de Saint-Croix, em Mans entre 1909 e 1914. Devido à Primeira Guerra Mundial se transferiu-se para uma escola na Suíça onde permaneceu até 1917.
Em 1921, tornou-se piloto civil em Rabat. Em 1926, por indicação de um amigo, tornou-se piloto de linha voando entre as cidades de Toulouse, Casablanca e Dacar.

Publicou seu primeiro livro, Courrier Sud em 1928, escrito na África. Seguiu publicando livros e trabalhando como piloto. Acompanhou a guerra civil espanhola como repórter. Em 1939, surgiu o seu livro mais famoso, “Terra dos Homens”, à beira da Segunda Guerra Mundial. Este livro ganhou o Grande Prêmio de Literatura da Academia Francesa.
Em seguida, foi chamado a trabalhar como técnico durante a guerra. A seu pedido tornou-se piloto de um grupo de reconhecimento aéreo. Em 1942, publicou “Piloto de Guerra”. Em 1944, foi incorporado num grupo americano de reconhecimento. Após afastamento do serviço militar, se retirou em Argel dedicando-se a matemática e aos manuscritos de Citadelle. Retornou como comandante com um limite de cinco missões. Após isso, é novamente retirado do serviço a contra-gosto. Em 31 de julho de 1944 se matou jogando-se ao mar.

Fonte: http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=2870

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Boaventura de Sousa Santos - Folha de São Paulo


16/08/2011

Boaventura de Sousa Santos: O caos da ordem

Em Londres, estamos perante a denúncia violenta de modelo que tem recursos para resgatar bancos, mas não os tem para uma juventude sem esperança

Os motins na Inglaterra são um perturbador sinal dos tempos. Está a ser gerado nas sociedades um combustível altamente inflamável que flui nos subterrâneos da vida coletiva sem que se dê conta.
Esse combustível é constituído pela mistura de quatro componentes: a promoção conjunta da desigualdade social e do individualismo, a mercantilização da vida individual e coletiva, a prática do racismo em nome da tolerância, o sequestro da democracia por elites privilegiadas e a consequente transformação da política em administração do roubo "legal" dos cidadãos. Cada um dos componentes tem uma contradição interna.
Quando elas se sobrepõem, qualquer incidente pode provocar uma explosão de proporções inimagináveis. Com o neoliberalismo, o aumento da desigualdade social deixou de ser um problema para passar a ser a solução.
A ostentação dos ricos transformou-se em prova do êxito de um modelo social que só deixa na miséria a maioria dos cidadãos porque estes supostamente não se esforçam o suficiente para terem êxito.
Isso só foi possível com a conversão do individualismo em valor absoluto, o qual, contraditoriamente, só pode ser vivido como utopia da igualdade, da possibilidade de todos dispensarem por igual a solidariedade social, quer como agentes dela, quer como seus beneficiários.
Para o indivíduo assim construído, a desigualdade só é um problema quando lhe é adversa; quando isso sucede, nunca é reconhecida como merecida. Por outro lado, na sociedade de consumo, os objetos de consumo deixam de satisfazer necessidades para as criar incessantemente, e o investimento pessoal neles é tão intenso quando se têm como quando não se têm.
Entre acreditar que o dinheiro medeia tudo e acreditar que tudo pode ser feito para obtê-lo vai um passo muito curto. Os poderosos dão esse passo todos os dias sem que nada lhes aconteça. Os despossuídos, que pensam que podem fazer o mesmo, acabam nas prisões.
Os distúrbios na Inglaterra começaram com uma dimensão racial. São afloramentos da sociabilidade colonial que continua a dominar as nossas sociedades, muito tempo depois de terminar o colonialismo político. Um jovem negro das nossas cidades vive cotidianamente uma suspeição social que existe independentemente do que ele ou ela seja ou faça.
Tal suspeição é tanto mais virulenta quando ocorre numa sociedade distraída pelas políticas oficiais da luta contra a discriminação e pela fachada do multiculturalismo.
O que há de comum entre os distúrbios da Inglaterra e a destruição do bem-estar dos cidadãos provocada pelas políticas de austeridade comandadas por mercados financeiros? São sinais dos limites extremos da ordem democrática.
Os jovens amotinados são criminosos, mas não estamos perante uma "criminalidade pura e simples", como afirmou o primeiro-ministro David Cameron.
Estamos perante uma denúncia política violenta de um modelo social e político que tem recursos para resgatar bancos e não os tem para resgatar a juventude de uma vida sem esperança, do pesadelo de uma educação cada vez mais cara e mais irrelevante, dados o aumento do desemprego e o completo abandono em comunidades que as políticas públicas antissociais transformaram em campos de treino da raiva, da anomia e da revolta.
Entre o poder neoliberal instalado e os amotinados urbanos há uma simetria assustadora. A indiferença social, a arrogância, a distribuição injusta dos sacrifícios estão a semear o caos, a violência e o medo, e os semeadores dirão amanhã, genuinamente ofendidos, que o que semearam nada tem a ver com o caos, a violência e o medo instalados nas ruas das nossas cidades.
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, sociólogo português, é diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de "Para uma Revolução Democrática da Justiça" (Cortez, 2007).