sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Belo texto de Juremir Machado da Silva


O que muda com a crise?

Por Juremir Machado da Silva


Muda a própria ideia de crise. Até agora, pensamos a crise como uma ruptura. Ao longo do tempo, vivemos as crises como um colapso. De repente, somos obrigados a pensar as crises como continuidade. De certa maneira, como algo complementar e antagônico. Em outras palavras, uma ruptura contínua ou uma continuidade com permanentes rupturas. A crise é antes de tudo comportamental. Mudou a forma de se comportar em sociedade. Segundo o pensador francês Gilles Lipovetsky, passamos de uma moral do sacrifício para uma sociedade pós-moralista. Não se trata de um mero jogo de palavras, mas de uma realidade que diz respeito ao estar no mundo, ao modo de ser, à relação com o outro. Em lugar de uma moral imperativa e pretensamente única, entramos numa flexibilização moral. Alguns valores são incontornáveis e universalizados. Outros - a maioria - dependem dos indivíduos e cada um está livre para aderir ou não. Estamos mais livres, mais soltos, mas céticos, até mesmo mais cínicos, mas também certamente mais responsáveis. É o que Lipovetsky chama de individualismo responsável. Ao contrário do que anunciam os alarmistas, nunca estivemos tão preocupados com limites e grandes valores: ecológicos, familiares, culturais. Luc Férry já mostrou que, atualmente, só se aceita morrer por um ente querido, por alguém da família, por um amor. Não se aceita mais morrer por entidades abstratas, a pátria, o dever, etc. Isso, obviamente, em se tratando de sociedade ocidental. Em paralelo, quase como uma reação, crescem as perspectivas nacionalistas, xenófobas, as guerras de religião, os fanatismos. Nossa sociedade é paradoxal. A crise é também a crise de uma ideia de verdade que jamais apresentou a prova da sua prova, o atestado final da sua veracidade. Estamos em crise. Estamos vivendo. Estamos mudando. Estamos nos reconstruindo.

Juremir Machado da Silva é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Graduado em história e eum jornalismo pela PUCRS (1984), doutor em sociologia pela Universidade Paris V, René Descartes, Sorbonne (1995), sob orientação de Michel Maffesoli.

Fonte: http://luz.cpflcultura.com.br/o-que-muda-com-a-crise-,16.html

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Memórias!



SINTA SEMPRE O SABOR DA VIDA QUE SE MANIFESTA A CADA INSTANTE E SE TIVER A CHANCE RELEMBRE ANTIGOS SABORES, É EXUBERANTE VOLTAR A SENTIR O GOSTO DO QUE JÁ NOS DEIXOU SEM PALAVRAS.

Biquini Cavadão

Quem disse que o tempo tem que ter utilidade
Tempo não é algo que se compra ou se produz
Está dentro de nós, da nossa vontade
Viver só vale a pena quando provoca saudade
De querer fazer de novo só porque é bom

Sempre que puder
Vou querer saber o sabor
Do que é bom na vida
Ter prazer ou dor
Seja lá o prêmio que for
Eu vou querer saber o sabor

A simplicidade das coisas me seduz
O céu fica mais lindo quando falta luz
Inventar desenhos na forma de uma nuvem
Olhar a noite inteira a lua passear no ceu
Até não se dar conta que o tempo passou


Sempre que puder
Vou querer saber o sabor
Do que é bom na vida
Ter prazer ou dor
Seja lá o prêmio que for

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Para um amigo!



O luto precisa de silêncio, calma, tempo para cicratizar. Ficamos frágeis e pequenos diante da partida de quem amamos, implodimos dia-a-dia com perguntas, lembranças, dúvidas e saudades. No entanto, a fé e o amor sagrado e misericordioso do Pai, cuida amorosamente desta dor intensa.

Dedicamos a o texto do autor Léo Buscaglia: A HISTÓRIA DE UMA FOLHA, a um amigo que está atravessando esse caminho. Também dedicamos a nossa amizade, nosso carinho e nossas orações.


A HISTÓRIA DE UMA FOLHA


Era uma vez uma folha, que crescera muito.
A parte intermediária era larga e forte, as cinco pontas
eram firmes e afiladas.

Surgira na primavera, como um pequeno broto num galho
grande, perto do topo de uma árvore alta.

A Folha estava cercada por centenas de outras folhas,
iguais a ela. Ou pelo menos assim parecia. Mas não demorou
muito para que descobrisse que não havia duas folhas iguais,
apesar de estarem na mesma árvore. Alfredo era a folha mais
próxima. Mário era a folha à sua direita. Clara era a linda folha
por cima. Todos haviam crescido juntos. Aprenderam a dançar à
brisa da primavera, esquentar indolentemente ao sol do verão,
a se lavar na chuva fresca.

Mas Daniel era seu melhor amigo. Era a folha maior no galho e
parecia que estava lá antes de qualquer outra. A Folha achava
que Daniel era também o mais sábio. Foi Daniel quem lhe contou
que eram parte de uma árvore. Foi Daniel quem explicou que
estavam crescendo num parque público. Foi Daniel quem revelou
que a árvore tinha raízes fortes, escondidas na terra lá embaixo.
Foi Daniel quem falou dos passarinhos que vinham pousar no
galho e cantar pela manhã. Foi Daniel quem contou sobre o sol,
a lua, as estrelas e as estações.



A primavera passou. E o verão também.

Fred adorava ser uma folha. Amava o seu galho, os amigos,
o seu lugar bem alto no céu, o vento que o sacudia, os raios do sol
que o esquentavam, a lua que o cobria de sombras suaves.

O verão fora excepcionalmente ameno. Os dias quentes e
compridos eram agradáveis, as noites suaves eram serenas
e povoadas por sonhos.

Muitas pessoas foram ao parque naquele verão. E sentavam sob
as árvores. Daniel contou à Folha que proporcionar sombra era
um dos propósitos das árvores.

- O que é um propósito? - perguntou a Folha.

- Um razão para existir - respondeu Daniel. - Tornar as coisas
mais agradáveis para os outros é uma razão para existir. Proporcionar sombra aos velhinhos que procuram escapar do
calor de suas casas é uma razão para existir.

A Folha tinha um encanto todo especial pelos velhinhos.
Sentavam em silêncio na relva fresca, mal se mexiam. E quando
conversavam eram aos sussurros, sobre os tempos passados.

As crianças também eram divertidas, embora às vezes abrissem
buracos na casa da árvore ou esculpissem seus nomes.
Mesmo assim, era divertido observar as crianças.

Mas o verão da Folha não demorou a passar.

E chegou ao fim numa noite de outubro. A Folha nunca sentira
tanto frio. Todas as outras folhas estremeceram com o frio.
Ficaram todas cobertas por uma camada fina de branco,
que num instante se derreteu e deixou-as encharcadas
de orvalho, faiscando ao sol..

Mais uma vez, foi Daniel quem explicou que haviam
experimentado a primeira geada, o sinal que era outono
e que o inverno viria em breve.

Quase que imediatamente, toda a árvore, mais do que isso,
todo o parque, se transformou num esplendor de cores.
Quase não restava qualquer folha verde. Alfredo se tornou
um amarelo intenso. Mário adquiriu um laranja brilhante.
Clara virou um vermelho ardente. Daniel estava púrpura.
E a Folha ficou vermelha, dourada e azul. Todos estavam lindos.
A Folha e seus amigos converteram a árvore num arco-íris.

- Por que ficamos com cores diferentes,
se estamos na mesma árvore? - perguntou a Folha.

- Cada um de nós é diferente. Tivemos experiências diferentes.
Recebemos o sol de maneira diferente. Projetamos a sombra de
maneira diferente. Por que não teríamos cores diferentes?

Foi Daniel, como sempre, quem falou. E Daniel contou ainda que aquela estação maravilhosa se chamava outono.

E um dia aconteceu uma coisa estranha. A mesma brisa que,
no passado, os fazia dançar começou a empurrar e puxar suas
hastes, quase como se estivesse zangada. Isso fez com que
algumas folhas fossem arrancadas de seus galhos e levadas pela
brisa, reviradas pelo ar, antes de caírem suavemente ao solo.

Todas as folhas ficaram assustadas.

- O que está acontecendo? - perguntaram
umas às outras, aos sussurros.

- É isso que acontece no outono - explicou Daniel -
É o momento em que as folhas mudam de casa.
Algumas pessoas chamam isso de morrer.

- E todos nós vamos morrer? - perguntou Folha

- Vamos sim - respondeu Daniel - Tudo morre.
Grande ou pequeno, fraco ou forte, tudo morre.
Primeiro cumprimos a nossa missão.
Experimentamos o sol e a lua, o vento e a chuva.
Aprendemos a dançar e a rir. E, depois morremos.

- Eu não vou morrer! - exclamou Folha, com determinação -
Você vai, Daniel?

- Vou sim... Quando chegar meu momento.

- E quando será isso???

- Ninguém sabe com certeza. - respondeu Daniel

A Folha notou que as outras folhas continuavam a cair.
E pensou: "Deve ser o momento delas." Ela viu que algumas
folhas reagiam ao vento, outras simplesmente se entregavam
e caíam suavemente

Não demorou muito para que a árvore estivesse quase despida.

- Tenho medo de morrer. - disse Folha a Daniel -
Não sei o que tem lá embaixo.

- Todos temos medo do que não conhecemos. Isso é natural.
- disse Daniel para animá-la - Mas você não teve medo quando a
primavera se transformou em verão. E também não teve medo
quando o verão se transformou em outono. Eram mudanças
naturais. Por que deveria estar com medo da estação da morte?

- A árvore também morre? - pergu

- Para onde vamos quando morrermos?

- Ninguém sabe com certeza... É o grande mistério.

- Voltaremos na primavera?

- Talvez não, mas a Vida voltará.

- Então qual é a razão para tudo isso? - insistiu a Folha -
Por que viemos pra cá, se no fim teríamos de cair e morrer?

Daniel respondeu no seu jeito calmo de sempre:

- Pelo sol e pela lua. Pelos tempos felizes que passamos juntos.
Pela sombra, pelos velhinhos, pelas crianças. Pelas cores do
outono, pelas estações. Não é razão suficiente?

Ao final daquela tarde, na claridade dourada do crepúsculo,
Daniel se foi. E caiu a flutuar. Parecia sorrir enquanto caía.

- Adeus por enquanto. - disse ele à Folha.

E depois, Folha ficou sozinha, a única folha
que restava no galho.

A primeira neve caiu na manhã seguinte.
Era macia, branca e suave. Mas era muito fria.
Quase não houve sol naquele dia... E foi um dia muito curto.
A Folha se descobriu a perder a cor, a ficar cada vez mais frágil.
Havia sempre frio e a neve passava sobre ela.

E quando amanheceu veio vento que arrancou a Folha de seu
galho. Não doeu. Ela sentiu que flutuava no ar, muito serena.

E, enquanto caía, ela viu a árvore inteira pela primeira vez.

Como era forte e firme! Teve a certeza de que a árvore viveria por
muito tempo, compreendeu que fora parte de sua vida.
E isso deixou-a orgulhosa.

A Folha pousou num monte de neve. Estava macio, até mesmo
aconchegante. Naquela nova posição, Folha estava mais
confortável do que jamais se sentira. Ela fechou os olhos e
adormeceu. Não sabia que a primavera se seguiria ao inverno,
que a neve se derreteria e viraria água. Não sabia que a
folha que fora, seca e aparentemente inútil, se juntaria
com a água e serviria para tornar a árvore mais forte.
E, principalmente, não sabia que ali, na árvore e no solo,
já havia planos para novas folhas de primavera.